terça-feira, 23 de junho de 2009

DOCES OU TRAVESSURAS?

Língua, pele e risos...
Ainda sinto as mãos nos meus flancos.
Beijos ardentes e os lábios trêmulos...
Já não sei onde termino e onde começas.
Doces ou travessuras?
Travessuras em um ritmo compassado.
A cabeça gira em torno dos devaneios infantis de duas crianças travessas e insanas.
Respiração ofegante...
Murmúrios sem sentido...
O mundo pulsa, com vida e morte, ondas e magma...
Comigo e com você.

OMNIPATIA

Mais uma dose do extraordinário e alienante cotidiano.
Desço as escadas do prédio onde trabalho, degrau por degrau, com uma precisão mecânica.
Lá está a multidão! Todos eles, indo, vindo e tornando a ir...

Os pensamentos me invadem...
“A prestação eu preciso pagar, eu... preciso.”
“Aquela vaca me paga, espera só!
“Velho trouxa, nunca foi tão fácil!”
“Papai me leva pra casa?”

A mente de todos se funde com a minha e baila descompassadamente entre os prédios.

“Quem eles pensão que são?”

Perguntas!

“Quem eles pensam que sou?”

Em mim...
A cabeça dói.
Torno a desligar...
Chego à estação e entro no trem que está na plataforma. Não enxergo, não existo...
A rotina aniquila a consciência.
Apenas executo.
Abro a mochila e tiro um quadrinho, que me ponho a ler.
Quem sabe a fantasia não me salve deste narcotizante sistema de ir e vir e de se deixar levar pela correnteza.

“Que me penso deles?”

Chego.
Eis mais um punhado dessa gente que me amedronta.
Sobem e descem as escadas da estação... Pelo lado errado.
Confrontam-se.
Este detalhe me desperta por um instante.
Eles quebram a corrente ao se confrontar, como o encontro das águas, mas isso dura uns poucos segundos e lá seguem, coexistindo com sua rotina.
Também me entrego ao transe em meu trajeto para casa.

“Que me pensam?”

Os carros cortam o ar com violência à minha volta enquanto atravesso a rua, mas só me dou conta do risco de vida quando chego do outro lado.
Não me importo.
Só a multidão que encontro causa medo.
Os pensamentos voltam a me invadir.
O mundo de gente sem rosto...
Apenas a cabeça em forma de boca escancarada em enormes sorrisos, nos homens que voltam do trabalho, nas crianças que voltam da escola, e em todo lugar onde posso ver.
Todos com um sorriso bizarro na fronte, os que sofrem, os que sentem dor, assassinos, negligentes, algozes e vítimas.
As formas se distorcem como em um quadro de Dali.
Felizes...

“Que pensam?”

A disseminação do conformismo, vendido em cada fast food.
Podemos devorá-lo rapidamente, mas pagando caro.

“Devemos agradecer, pois nos foi dado o dom da vida!”

Cães da nova gênese!
O pai, o falho e o escarro santo!*
Um terrível arrepio toma conta de mim e se estende até a medula...
Tenho medo que me engulam e que eu seja digerida por esses pensamentos e toda essa “alegria” fora de contexto.

“Eu que penso ser eles?”

Um amigo dizia que se existe alguma esperança de libertação, ela reside nos “proles”.
Mas os “proles” não sabem disso, e existem esforços para que não saibam.
Corro para olhar o vidro de um carro estacionado.
Quero ver meu reflexo!
Quero saber se carrego este sorriso, este espasmo involuntário aterrorizante em minha fronte.
Não me enxergo.
Não sei quem sou.
Se alguma cabeça me sonha...

“Deles?”

Não.

Sigo meu caminho para casa me perguntando se o vento que bate em meus cabelos, ou ainda se as coisas que toco e que vejo são atestados de sanidade.
Cheia de mim, transbordando pelas bordas minhas vãs indagações.
Ai de mim mortal...
Ai de mim.

“Papai me leva pra casa!”





* Frase dita pelo personagem Cara de Barro em Asylum Arkham, DC Comics, 1989.