sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

A DETENTA

Precisamente às 18h30min o trem chegou à estação. Coisa raríssima de acontecer depois das últimas reformas.

As portas se abriram e debaixo de empurrões e cotoveladas, consegui entrar com um amigo me dando cobertura.

Lá estava ela...

Chinelos gastos, bermuda outrora branca, e uma regata com uma propaganda política qualquer.

Carregava uma trouxa de roupas e um papel com uma oração...

Olhar vazio... Fixo na janela...

A temperatura estava por volta dos 17 graus, e seus cabelos grisalhos flutuavam com o vento que vinha da janela.

Sentei-me ao seu lado. Para meu amigo havia sobrado apenas o assento preferencial à nossa frente.

Ela notou...

- Seu esposo?

- Não. Meu amigo.

Ela se dirige a ele e pergunta:

-Não qué trocá de lugar comigo? Assim cêis fica junto.

-Não obrigado, estamos bem assim, pode ficar tranqüila.

Ela se volta para sua paisagem imaginária na janela...

- Ai meus fio! Como Deus é maravilhoso não?

- Sim é maravilhoso. Ou pelo menos tem me ajudado bastante.

Responde meu amigo como o bom cristão que é.

Eu abaixo a cabeça e me ponho a pensar que a fé é mesmo um treco perigoso.

- Cêis veja só meus fio, acabei de cê inocentada dum furto i to saindo da cadeia ali do centro.

Os olhos do meu amigo se arregalaram.

“A justiça que é maravilhosa.”

Respondo mentalmente.

Continuei pensando o que estava pensando... Nem lembro exatamente o que era, mas estava absorta na indiferença que me é peculiar.

Os olhos dele se arregalaram mais. Dessa vez direcionados para mim.

Continuei com aquela cara de “Que posso fazer ora, ora?”. Pessoas entram na cadeia, outras saem e outras tornam a entrar como em um formigueiro.

A senhora prossegue...

- To indo buscá meu filhinho lá na cidade. O coitadinho fico 21 dias lá no juizado enquanto eu tava presa. Mas hoje isso vai acabá! Meu principezinho nunca mais vai saí de perto di mim! Sempre durmiu cumigo e ficô tanto tempo longe...

-Nossa! A senhora tem um filho?

Pergunta meu amigo, como se fosse espantoso que uma ex-detenta o tivesse.

- Tenho sim. Meu minino tem sete anos e é lindo. Ai que saudade dele!

Permaneço a assistir...

- Moro aqui nos arredor, mas tenho que buscá o minino lá na cidade. Nóis já ta em qual estação?

- Não chegou ainda. Fica calma que quando chegar a gente avisa.

Tranqüiliza o meu amigo novamente. E utiliza “a gente” como se realmente eu estivesse fazendo parte daquela conversa.

Não sou do tipo de pessoa que diz qualquer coisa só pra lembrar aos presentes que ainda estou ali.

Sei que não é comum pegar o trem com uma pessoa assim. Isso não é coisa que aconteça todo dia e etc. Porém não consegui entender o espanto de meu amigo, tampouco o das pessoas que estavam em volta ouvindo a conversa.

Nós é que somos detentos...

Talvez seja a TV a culpada por deixar as pessoas tão longe da realidade.

Tão protegidas em suas poltronas, longe de toda aquela desgraça que acontece do outro lado do vidro.

“Estou bem informado e graças a Deus não faço parte disso!”

Amém e obrigado.