segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

CAMINHOS

Eu precisava mostrar a elas que aqueles lugares existiam realmente, talvez pra provar pra eu mesma que não existiam apenas em meus sonhos.
Mas que tolice!
Se aquilo mesmo era um sonho e eu sabia.
Subimos a alameda onde moro até a rua da escola primária, onde também fica a igreja que já havia me assombrado em outros sonhos.
Não me aproximo mais dela desde a primeira vez que a vi.
Tenho medo.
Ela me traz sensações horríveis com todas aquelas oferendas e indulgências a sua volta.
O ar a sua volta é denso, quente, quase dá pra tocar.
Apontei-a e elas puderam vê-la de longe com toda a imponência macabra do reboco velho, acinzentado...
A igreja não existe.
Voltamo-nos até a rua onde ficava a casa grande, quando meu bairro ainda era uma enorme chácara de bergamotas, onde mostrei um casarão antigo com um enorme coreto no pátio em sua frente.
Admirei-me com a cena, pois aquela casa e aquele coreto nunca haviam estado lá antes...
Não sei por qual motivo, não podia dizer isso a elas...
Seguimos por essa rua até chegar à chácara em que meus tios moraram há alguns anos...
Rua Timbiras...
Abrimos o portão de bambu e seguimos a andar pelo campo por toda uma tarde, e eu sem entender como de repente a chácara havia ficado enorme, sem fim...
Com sem nunca ter passado por lá eu poderia conhecer todos aqueles caminhos?
Já não tinha medo.
Caminhamos e abrimos algumas porteiras até chegar a uma espécie de acampamento de militantes, todos com camisetas vermelhas onde eu podia enxergar um martelo e uma foice (comunistas?), estavam enfileirados, de cócoras, entoando cânticos e gritos de guerra, a maioria com ascendência indígena.
Ainda circulamos entre eles e encontramos parte de suas instalações, barracas e suas crianças, algumas dormindo...
Eles pareciam nos ignorar, mesmo assim decidimos partir.
Na volta passamos pelos mesmos militantes e cantamos alguns de seus cânticos...
Eles continuavam agachados cantando uma das músicas de Milton nascimento... “Cio da terra” talvez, não me lembro...
Seguimos nossa trilha por um descampado onde podíamos avistar um cemitério abandonado no sopé das montanhas com alguns poucos túmulos, e ao lado um altar para oferendas, onde havia velas, quadros e fitas coloridas...
Também o apontei de longe.
Acho que eu era uma espécie de guia turístico.
Um guia turístico astral.
Encontramos uma casa abandonada com crianças a brincar com seus brinquedos velhos e suas roupas rotas.
Quase posso tocar o mofo das paredes, os ladrilhos...
Todos aqueles cômodos, a latrina imunda...
O cheiro pútrido...
Épocas que se misturam...
Símbolos que se agrupam sem nenhuma lógica aparente...
Frutos de mais uma viagem onírica a me oferecer códigos que não posso decifrar...

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

KARMA

As vezes tua voz surge na minha mente como uma mensagem profética.

Me assombro com a influência que ainda exerce sobre mim, sobre minhas atitudes e decisões.

Deixou uma marca under my skin , que não cicatriza e nem cicatrizará nunca...

Ele dizia...

- Tua percepção sobre as coisas da vida é errônea.

Íncubo.

Tudo adormeceu, mas continua aqui intacto, incompleto.

Uma história congelada no tempo, em uma câmara creogênica, aguardando que algo a disperte.

A boca...

Aquele gosto...

O cheiro...

O soma...

Dreaming neon black.

Há uma promessa feita entre nós.

Um pacto feito há milênios, e que levará milênios para ser cumprido.

Tenho medo do que pode acontecer quando ele se cumprir.

Paraísos e trevas se encontrarão em nós.

MARCHA DOS GENTIOS

“Ora” direis e nada mais.

E não fará diferença onde nada mais faz sentido senão marchar.

Pois que marchemos então!

Em fila indiana e ao som do tambor,

Mas que seja escorada nessa dignidade outrora chamada orgulho, quando ainda existiam significados distintos para ambos.

Agora já nos achamos todos nus e molhados, marcando nossas pegadas no chão.

Pegadas que as areias do tempo hão de cobrir em breve...

Pro ralo com os complexos de superioridade e nosso pseudo-intelectualismo...

Morte ao Demiurgo de que transbordo até as malditas bordas.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

PRELÚDIO DA 5° TENTATIVA


Pedaços e mais pedaços dele em cima da minha cama...

Uma sujeira danada.

Não vai ser fácil montá-lo dessa vez.

Vou ter que arranjar outro.

Terei que retomar todo o trabalho outra vez.

Ensinar a comer, vestir-se, e se portar do jeito que um bom marido deve ser.

Eles nunca são do jeito que eu quero.

Vamos lá.

Temos muito trabalho pela frente.




Clarissa.


domingo, 4 de outubro de 2009

VÊNUS DO MARKETING

Todos sobrevivem em prol da vênus do marketing
Túmulos vazios e cabeças ocas,
Sorrisos ocos e camas vazias,
Melhor descolar um quarto sem vista.
Mamãe não vai gostar...

Ultimamente a vênus do marketing anda a sofrer de frigidez

O mergulho de acapulco, ou a língua da mídia?
Vestígios de batom, ou jantares em frente a TV?
Não compensa amar a vênus do marketing...

Ultimamente anda a sofrer de frigidez.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Descolados

Pobres dos reis do insight
E dos que se dizem hype
A comida é boa só pra quem é light

Personalidades feitas só pra night
Não adoçam o mundo pois o amor é diet
Opções previsíveis tipo black or white

terça-feira, 23 de junho de 2009

DOCES OU TRAVESSURAS?

Língua, pele e risos...
Ainda sinto as mãos nos meus flancos.
Beijos ardentes e os lábios trêmulos...
Já não sei onde termino e onde começas.
Doces ou travessuras?
Travessuras em um ritmo compassado.
A cabeça gira em torno dos devaneios infantis de duas crianças travessas e insanas.
Respiração ofegante...
Murmúrios sem sentido...
O mundo pulsa, com vida e morte, ondas e magma...
Comigo e com você.

OMNIPATIA

Mais uma dose do extraordinário e alienante cotidiano.
Desço as escadas do prédio onde trabalho, degrau por degrau, com uma precisão mecânica.
Lá está a multidão! Todos eles, indo, vindo e tornando a ir...

Os pensamentos me invadem...
“A prestação eu preciso pagar, eu... preciso.”
“Aquela vaca me paga, espera só!
“Velho trouxa, nunca foi tão fácil!”
“Papai me leva pra casa?”

A mente de todos se funde com a minha e baila descompassadamente entre os prédios.

“Quem eles pensão que são?”

Perguntas!

“Quem eles pensam que sou?”

Em mim...
A cabeça dói.
Torno a desligar...
Chego à estação e entro no trem que está na plataforma. Não enxergo, não existo...
A rotina aniquila a consciência.
Apenas executo.
Abro a mochila e tiro um quadrinho, que me ponho a ler.
Quem sabe a fantasia não me salve deste narcotizante sistema de ir e vir e de se deixar levar pela correnteza.

“Que me penso deles?”

Chego.
Eis mais um punhado dessa gente que me amedronta.
Sobem e descem as escadas da estação... Pelo lado errado.
Confrontam-se.
Este detalhe me desperta por um instante.
Eles quebram a corrente ao se confrontar, como o encontro das águas, mas isso dura uns poucos segundos e lá seguem, coexistindo com sua rotina.
Também me entrego ao transe em meu trajeto para casa.

“Que me pensam?”

Os carros cortam o ar com violência à minha volta enquanto atravesso a rua, mas só me dou conta do risco de vida quando chego do outro lado.
Não me importo.
Só a multidão que encontro causa medo.
Os pensamentos voltam a me invadir.
O mundo de gente sem rosto...
Apenas a cabeça em forma de boca escancarada em enormes sorrisos, nos homens que voltam do trabalho, nas crianças que voltam da escola, e em todo lugar onde posso ver.
Todos com um sorriso bizarro na fronte, os que sofrem, os que sentem dor, assassinos, negligentes, algozes e vítimas.
As formas se distorcem como em um quadro de Dali.
Felizes...

“Que pensam?”

A disseminação do conformismo, vendido em cada fast food.
Podemos devorá-lo rapidamente, mas pagando caro.

“Devemos agradecer, pois nos foi dado o dom da vida!”

Cães da nova gênese!
O pai, o falho e o escarro santo!*
Um terrível arrepio toma conta de mim e se estende até a medula...
Tenho medo que me engulam e que eu seja digerida por esses pensamentos e toda essa “alegria” fora de contexto.

“Eu que penso ser eles?”

Um amigo dizia que se existe alguma esperança de libertação, ela reside nos “proles”.
Mas os “proles” não sabem disso, e existem esforços para que não saibam.
Corro para olhar o vidro de um carro estacionado.
Quero ver meu reflexo!
Quero saber se carrego este sorriso, este espasmo involuntário aterrorizante em minha fronte.
Não me enxergo.
Não sei quem sou.
Se alguma cabeça me sonha...

“Deles?”

Não.

Sigo meu caminho para casa me perguntando se o vento que bate em meus cabelos, ou ainda se as coisas que toco e que vejo são atestados de sanidade.
Cheia de mim, transbordando pelas bordas minhas vãs indagações.
Ai de mim mortal...
Ai de mim.

“Papai me leva pra casa!”





* Frase dita pelo personagem Cara de Barro em Asylum Arkham, DC Comics, 1989.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Monólogo de uma cama(mulher) desforrada.


Sou tratada a leite e mel como imperatriz,
Destratada e jogada à própria sorte como serva.
Atuo em pornochanchadas como meretriz,
E sou envenenada pela mais poderosa erva.

Algumas vezes simulo prazer, outras, indiferente,
Queimo e esfrio como lava de encontro ao mar.
Finjo não querer nada, sou tola, inconseqüente...
E sofro velada por alguém que não sabe chorar.

Posso escolher vários papéis, mas não sei qual,
Virgem Maria, Druuna, Vênus ou Barbarella?
Durante a noite sou deusa, mas amanheço mortal.
Tenho tudo nas mãos e no fim sou apenas “aquela”.

Me visto e me dispo de várias mantas.
Amo, sou amada e quebro encantos,
Ganho batalhas e perco outras tantas...
Viro bicho, uivo pra lua e causo espanto.

Renasço das cinzas como fênix,
Gargalho iluminada como o dia
Brilho como estátua talhada em ônix
Não por orgasmo, mas sim pela poesia.

Vegetando...

As folhas caem...
Caem e o soterram em um eterno outono.
Jamais irão parar de cair, se você deixar...
Soterre-me em tua densa seiva e me deixe feito estátua vitrificada em âmbar!
Admire-me em meu novo layout sensualmente amórfico!
Se desejar...
E que escorra clorofila de minha boca se um dia jurei teu santo nome em vão!
Meu caro, minhas raízes são tão profundas quanto tua idiossincrasia, por isso caio e te faço tropeçar.
Mas não me culpe, pois se padeço é por teu solo pobre em nutrientes.
Só peço pra que não me inclua em teus planos, pois já passei dos galhos das idéias férteis, distribuídas em grãos.
Pois a mim não importam teus fortes rebentos embebidos em látex.
Plasticamente orgânico...

segunda-feira, 20 de abril de 2009

3 de Abril de 2023

Tarde gelada de outono em 2023.
E lá estava ele, sentado à beira de um salgueiro chorão a lá “O pensador”.
Solitariamente confortável...
Ou confortavelmente solitário?
Anseando por ansear...
Contentamente infeliz, o meu amigo.
- Por onde andastes?
- Viajando através do universo, em busca de um novo Sol.
Ele sempre busca o Sol, e quando o encontra, deixa que aqueça suas idéias até que as mesmas sejam suficientes para apagá-lo, e lá vai ele, em busca de um outro Sol.
- E tu?
- Continuo contentando-me com meu Sol de quinta grandeza, mantendo meu coração constantemente aquecido. Mas minhas idéias meu caro... Estas os raios solares já não alcançam mais.
As mãos se unem e se soltam através do vidro, e seguimos satisfeitos esperando um outro encontro casual.
Ele segue em busca de seu Sol.
E eu continuo em minha redoma, invejando sua liberdade de rapina.
Sem Era nem Bera...